Carlos Alberto di Franco
A imprensa
brasileira tem noticiado a respeito da crise que fustiga a Igreja Católica com
razoável serenidade e equilíbrio. Os casos de abuso sexual protagonizados por
clérigos são, de fato, matéria jornalística inescapável. O que me impressiona,
e muito, é a perda do sentido informativo e o inequívoco tom de campanha
assumido por alguns jornais norte-americanos.
Infelizmente, os
casos reais de abuso sexual, ocorridos nas últimas décadas, mesmo que tenham
sido menos numerosos do que fazem supor certas reportagens, são inescusáveis.
Nada pode justificar nem atenuar crimes abomináveis como o estupro e a
pedofilia. Um só caso de pedofilia, praticado na Igreja Católica por um padre,
um religioso ou uma religiosa, é sempre demais, é inqualificável.
Mas jornalismo não
pode ser campanha. Devemos, sem engajamentos ou editorialização da notícia,
trabalhar com fatos. Só isso nos engrandece. Só isso dá ao nosso ofício
credibilidade e prestígio social. Pois bem, amigo leitor, vamos aos fatos.
O Vaticano recebeu
3 mil denúncias de abuso sexual praticado por sacerdotes nos últimos 50 anos.
Segundo monsenhor Scicluna, chefe da comissão da Santa Sé para apuração dos
delitos, 60% dos casos estão relacionados com práticas homossexuais, 30% com
relações heterossexuais e 10% dos casos podem ser enquadrados como crimes de
pedofilia. Os números reais de casos de pedofilia na Igreja são, portanto,
muito menores.
Os abusos têm sido
marcadamente de caráter homossexual e refletem um grave problema de idoneidade
para o exercício do sacerdócio. Afinal, uma instituição que há séculos defende
o celibato sacerdotal tem o direito de estabelecer os seus critérios de
idoneidade, o seu manual de instruções para a seleção de candidatos. Quem entra
sabe a que veio. É tudo muito transparente. Quem assume o compromisso o faz
livremente. O que não dá, por óbvio, é para ficar com um pé em cada canoa. E
foi exatamente isso o que aconteceu. A Igreja está enfrentando as consequências
de anos e anos de descuido, covardia e negligência dos bispos na seleção e
formação do clero.
Philip Jenkins, um
especialista não católico de grande prestígio, publicou o estudo mais sério
sobre a crise. Pedophiles and Priests: Anatomy of a Contemporary Crisis
(Oxford, 214 págs.) é o mais exaustivo estudo sobre os escândalos sexuais que
sacudiram a Igreja Católica nos Estados Unidos durante a década de 1990.
Segundo Jenkins, mais de 90% dos padres católicos envolvidos com abusos sexuais
são homossexuais. O problema, portanto, não foi ocasionado pelo celibato, mas
por notável tolerância com o homossexualismo, sobretudo nos seminários dos anos
70, quando foram ordenados os predadores sexuais que sacudiram a credibilidade
da Igreja.
O autor não nega o
óbvio: que existiram graves desvios; e, mais, que os bispos fracassaram no
combate aos delitos. Jenkins, no entanto, mostra como os crimes foram
amplificados com o objetivo de desacreditar a Igreja. A análise isenta dos
números confirma essa percepção. Na Alemanha, por exemplo, existiram, desde
1995, 210 mil denúncias de abusos. Dessas 210 mil, 300 estavam ligadas a padres
católicos, menos de 0,2%. Por que só as 300 denúncias contra a Igreja
repercutem? E as outras 209 mil denúncias? Trata-se, sem dúvida, de um
escândalo seletivo.
As interpretações
e as manchetes, em tom de campanha, não batem com o rigor dos fatos. Vamos a um
exemplo local. Reportagem publicada no jornal O Estado de S. Paulo, de
18/5/2009, página C4, abria com o seguinte título: Triplica o número de vítimas
de abuso atendidas nas zonas sul e leste. E acrescentava ao título: Desde
outubro, a média de novos casos passou de dez por mês para um por dia. Mesmo
que o estudo se cinja às zonas leste e sul da cidade de São Paulo, por somarem
milhões de habitantes, não deixa de ser uma amostra muito expressiva.
Trata-se de uma
pesquisa realizada por várias ONGs de provada seriedade. Aponta como
"novidade desconcertante" o fato de que "pais biológicos são a
maioria entre agressores e, agora, avós também começam a aparecer neste
grupo". No elenco da Rede Criança de Combate à Violência Doméstica, todos
ou a quase totalidade dos agressores sexuais são casados. Por que então o
empenho em fazer crer que os principais protagonistas de abusos sexuais são
padres, e em atribuir a causa dos crimes ao seu compromisso celibatário?
Tentou-se,
recentemente, atingir o próprio papa. Como lembrou John Allen, conhecido
vaticanista e autor do livro The Rise of Benedict XVI, em recente artigo no The
New York Times, o papa fez da punição aos casos de abuso uma prioridade de seu
pontificado. "Um de seus primeiros atos foi submeter à disciplina dois
clérigos importantes contra os quais pesavam denúncias de abuso sexual há
décadas, mas que tinham sido protegidos em níveis bastante altos. Ele também
foi o primeiro papa da história que tratou abertamente da crise." Bento
XVI tem sido, de fato, firme e contundente.
Em recente carta
ao Corriere della Sera, o senador italiano Marcello Pera, um laico no mais
genuíno sentido italiano da palavra, assumiu a defesa do papa e foi ao cerne da
polêmica. "Desencadeou-se uma guerra. Não propriamente contra a pessoa do
papa, pois seria inviável. Bento XVI tornou-se invulnerável por sua imagem, sua
serenidade, sua clareza e firmeza." A guerra continuará, "entre
outras razões, porque um papa como Bento XVI, que sorri, mas não retrocede um
milímetro, alimenta o embate".
Precisamos
informar com o rigor dos fatos. Mas devemos, sobretudo, entender o que se
esconde por trás de algumas manchetes e de certas interpretações.
DOUTOR EM COMUNICAÇÃO PELA UNIVERSIDADE DE NAVARRA, PROFESSOR DE ÉTICA, É DIRETOR DO MASTER EM JORNALISMO (WWW.MASTEREMJORNALISMO.ORG.BR) E DA DI FRANCO - CONSULTORIA EM ESTRATÉGIA DE MÍDIA (WWW.CONSULTORADIFRANCO.COM) E-MAIL: DIFRANCO@IICS.ORG.BR
Fonte: O Estado de
São Paulo, Opinião, 5 de abril de 2012
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